Cultura do Cordel: Material Didático para o estímulo à Leitura e Escrita
Análise
da obra de Roger Chartier e abordagens sociológicas dos textos escritos quanto
a sua prática cultural do folhetos de cordel.
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Adriana Leite Campos
Dando seguimento às reflexões do texto de Roger
Chartier, onde aborda a ordem sociológica dos textos e a escrita como uma
prática cultural, discute o estudo sobre o processo da publicação e circulação
dos livros na história literária, principalmente a procura pela compreensão e o
lugar da escrita na produção dos saberes da cultura europeia.
Reflete que muito pouco foi escrito sobre a valorização da escrita, podemos articular que vários fatores
como: as normas, a cultura vigente da época, a subjetividade de determinado autor e as formas de circulação da escrita sofreram mutações que afetam o nosso cotidiano.
- Ao decorrer desse processo é fácil perceber que muitos acontecimentos importantes na nossa sociedade cultural deixaram de ser escritos, até mesmo proibidos de serem escritos por determinadas elites, ou mesmo não se tinha interesse em escrever sobre tal assunto, segundo (ROMPATTO, 2010: 9) alguns fatores apontam o não reconhecimento dos heróis negros nas escrituras literárias são as interpretações que caracterizavam os negros como seres passivos, alienados e analfabetos, assim considerados excluídos dos livros históricos. Analisando este contexto, é possível interpretar a falta de detalhes importantes e de grande valia que deixaram de serem acrescentados à história da escravatura e, o quanto o desenvolvimento histórico até nossa contemporaneidade sofre com a falta de afirmação para que essa história torne-se concreta.
- 3 Graduanda em Letras pela Faculdade de Ciências Educacionais, 2013. Email: drizzalua@hotmai.com
- Chartier destaca que com ele aprendeu a ´´nunca separar a compreensão histórica dos escritos da descrição morfológica dos objetos que os trazem``. Entende que o sentimento e as emoções que ao escrever, o autor pode revelar sobre sua obra. A cultura e a semântica que sobrecarregam as escritas, muitas vezes emudece a nossa história, contando que as variações da língua podem tornar ainda mais confusa a escrita na sua produção prejudicando ou mesmo ajudando a desvendar mistérios através das reflexões dos pesquisadores sobre a mesma. Esses mistérios e explicações resultam no entendimento talvez perceptível e ao mesmo tempo improvável na leitura de alguns textos históricos.
Se observarmos a em algumas histórias e contos
poéticos em nossa escrita, a influência mítica, cultural e
morfológica encontradas nos textos às vezes são censuradas pelo público autoral. A busca persistente dos escritores por conhecimentos
culturais históricos literários concretos, mostram um passado
onde a censura não está expressa, valiosa para o conhecimento explícito, ou seja, que diz ou fala a verdade social de um povo. No entanto
podemos dizer que nem sempre obras escritas sobre supervisão canônica são consideradas
como verdades concretas.
Na resposta a respeito de suas aproximações e
distâncias em relação a autores clássicos, Chartier declara que Michel Foucault
na palestra O que é um autor?
Proferida em 1969 no College de Frace como aula inaugural, ao elaborar uma
construção teórica conceitual a partir de um problema concreto, no caso, o
porquê de haver textos sem autores (como listas telefônicas e contratos)
instaurou a questão de autoria textual e da propriedade literária e abriu
caminhos de pesquisas múltiplas talvez nunca imaginadas por ele. (CHARTIER,
2012. Pg.161).
Diante esse embate, a citação se torna quase uma
pergunta, possivelmente um autor assinaria a sua obra, um copista atualmente
assinaria como digitador ou revisor, sujeito a reposições de frases ou palavras,
quando se trata da revisão ortográfica? Dessa forma não se tornaria concreta a origem
e autoria. Possivelmente as substituições gramaticais tornariam irrelevante em
contra ponto a sua originalidade. Como já dito a morfologia empregada na
supervisão durante a escrita poderia restringir valores sociais e culturais.
O
texto de Roger Chartier e a cultura do Cordel
A escrita da cultura europeia moderna comparada à
literatura de cordel, focaliza no espaço cultural desse diálogo, visto que o
cordel é uma poesia em rimas trazidas pelos colonizadores ibéricos por volta do
século XVII, primeiro cantada em (repentes), depois escrita e formalizada no
nordeste brasileiro como Arte de Escrever
´´Cordel``, o que em Portugal chama-se cordão, ao serem vendidos pendurados
nestes. Considerado há pouco tempo com índice de analfabetismo avassalador, o
nordeste do Brasil deu voz a cultura, a religião e a sociedade decadente de
um povo, muitas vezes o cordel não era escrito, por falta do saber da escrita, por isso a grande importância do cantador ou o repentista nessa época.
Compreende a importância do cordel para este povo,
tanto na escrita, no conto ou no canto. O cordelista Rodolfo
Coelho Cavalcante cita que o canto poético trata do cotidiano social equivale
à leitura de um livro, como as literaturas de cordel sendo considerado um dos
livros mais aceitos pelo povo, principalmente quando ligados a fatos e
acontecimentos de repercussão política e religiosa. Mesmo os cantadores analfabetos como
Patativas do Assaré que guardava mais de mil poemas em seu cognitivo, teve seu
reconhecimento recebendo o título honóris causa no nordeste brasileiro, por fim
foram transcritos mais de setecentos cordéis através da oralidade deste poeta.
Em outra ocasião escreveu-nos falando dos temas
predominantes na literatura de cordel, ´´Os livros mais aceitos pelo povo:
livros de profecia, religião, acontecimento, bravura``. (CURRAM, 1987, pág.
151).
Diante o cordel podemos perceber a perspectiva
sociológica, política e religiosa que o influi, um verdadeiro jornal, um
noticiário a ampliado, onde a oralidade
descritiva esta exposta para camadas sociais distintas.
Segundo Chartier a escrita concreta surge como incredulidade, se torna mítica no cordel mais com um fundo de originalidade. O poeta às
vezes escreve uma história inventada ou fatos atuais que realmente aconteceram
em um determinado local em fim, sempre escrevem dos fatos sociais em que
influenciam o povo para o povo, trocando o nome dos lugares e pessoas para não
criar comentários e serem censurados. Os primeiros cordelistas escreveram seus
cordéis manualmente, para vender em praça pública, sem correr o risco de serem
avaliados por cânones. Estes autores não tinham a menor preocupação com a norma gramatical,
escreviam na sua linguagem, na sua variação linguística, ou geográfica, como
muitos cordelistas fazem até a nossa atualidade, ou seja, correm o risco de não
ser verdadeiro com os nomes e lugares dados à esta escrita, porém se sobressaem nas coincidências e
originalidades em determinados fatos.
Escrevi de imaginação o folheto ´´Homem que atirou na Imagem de Nossa
Senhora e Foi castigado´´. Criei um nome de um coronel de minha imaginação,
dizendo que ele mora em Arco verde, Pernambuco, e que era um grande fazendeiro.
Ora, para mim tudo foi criação, trabalho imaginativo. Mas o tal coronel, por
mais absurdo que pareça, existia com todos os traços que eu dava, nome e
sobrenome e até o nome da fazenda. O resultado foi que, ao vender a primeira
edição, soube que o coronel estava retado da vida e que queria conhecer o
trovador. O resultado foi que na segunda edição mudei o nome do coronel e lá em
Arco Verde nunca mais fui vender os meu folhetos. ´´ A Moça que bateu na Mãe e Virou
Cachorra`` de que vendi 445 milheiros: encontrei um ´´sobrinho da moça que
virou cachorra`` em Valadares, Minas Gerais. Ora, ´´ A Moça que Bateu na mãe e
Virou Cachorra`` é um folheto da minha imaginação, e dei o nome completo da
moça que era ´´Helena Matias Borges``. Um tal de Francisco Matias Borges disse
publicamente que era sobrinho da cachorra e, com isso, vendi muitos folhetos na
hora. (CURRAM, 1987, pág. 152).
A mítica e o encanto que por fim transformam as coincidências
em fatos concretos amparadas pelas influências da cultura religiosa da sociedade, transformaram as crenças em realidade através da arte de escrever, mesmo sendo um
caso mítico pelo autor, este sofre e muitas vezes ganha com fato censurado,
justamente pela sua originalidade. A decisão, pois, de escolher a história não
depende tanto da opinião do poeta, mas do seu público, por isso a escrita não
sofre tão somente com a morfologia, porém para quê e para quem escrever? A
linguagem e a escrita não sofre tanto quanto a cultura que a influencia. Cavalcante aponta que escreve para várias classes sociais, protestantismo,
espírita, religiosa e para ele mesmo, no entanto essas culturas se diferenciam
da mesma forma que aconteceu na Europa moderna, a sociedade as modalidades se
entrelaçam de acordo com a sua cultura vigente, aquela que o autor determina ou
é determinado a cumprir na escrita dos livros em diferentes gêneros.
REFERÊNCIAS:
CHARTIER, Roger – Entrevistado por Robert Darton,
São Paulo, ano 5 nº 2, Jan/ jun de 2012.
CURRAM, Mark J., A apresentação de Rodolfo Coelho
Cavalcante na Moderna Literatura de Cordel, editora Nova Fronteira, Casa de
Rui Barbosa, Rio de Janeiro, 1987.
ROMPATTO, Maurílio, A história oral como fonte de pesquisa, (UNESP 1998). Contato:
mrompatto@ibest.com.br.
SUASSUNA, Ariano. O Auto da Compadecida,
Globo Filmes, 1ª Edição, Publicação: Lereby, Brasil, 19 de setembro de 2002.

Participação do cordelista baiano Antônio Barreto, artista convidado para a confraternização na disciplina de Práticas de Escrita e Tradição Acadêmica Científica. Universidade do Estado da Bahia-UNEB.
Professora da Disciplina Acadêmica: Rosângela da Luz Matos
Um Cordel para Chartier: Professora Adriana Leite Campos
Diários em Cordel
Escrever
sempre teve importância
Para
aquele que transcreve a sua observação
Seja
diário de bordo, de viagem ou de pesquisa
O
que importa para RESS é sua organização
Da
vida na escola, na construção do seu eu
Filosófico
ou científico, cada um têm o seu
Tudo
aquilo que escrevo serve pra reflexão.
Para
que serve o diário de bordo?
Para
escrever sobre a viagem da China do Japão
Pode
ser da Bahia o que vi no Galeão
E
do beijo de Maria que fitou a minha mão
Pode
se itinerante
Ou
que fale de amante
Folheando
um passado de lembranças e emoção
E
diário de ´Jornal`` ?
Construído
dia a dia
Escrevem
à noite
O
que se passou de dia
De
manhã o que editei, já foi tudo alterado
E
durante a revisão posso até ser enganado
Culpa
dos usuários do diário de fotografia
E
o diário coletivo
Prontuário
de Hospital
Prescreve
a dor dos pacientes
Indicando
um Luftal
Mas
a dor é do Governo
Que
deixa João enfermo
Com
a decresção salarial
Escreveu
uma carta
Pros
amigos do Nordeste
Falando
sobre a sua dor
Provocada
pela peste
De
uma doença sem cura
Que
o cabra se entontura
Como
lá no Centro Oeste
Parece
um diário filosófico
Cheio
de conhecimento
Cita
toda uma ideia
Não
se funda em firmamento
Vive
o povo lamentando
Professor
quase chorando
E
sem reconhecimento
Agora
vem o diário íntimo
Isso
é coisa pessoal
De
marmanjo adolescente
Ou
de intelectual
Ideias
que chamam atenção
Nas
veias de um coração
Que
rimam no mesmo ritual
E
o diário do amor
Já
é coisa do passado
É
a construção de ´´mim``
Pelos
desconectados
Visto
como cafonice
Dessa
toda meninice
Com
dizeres tão ousados
É
por isso que escrevo
Das
histórias dos meus dias
Perceba
nestas rimas
O
diário de Poesias
Nos
folhetos de Cordel
Contos
de Coronel
Poesia: Professora
Adriana Leite Campos
Xilogravura:
Adriana Leite
Campos
REFERÊNCIAS
CAMPOS- Adriana Leite, Diários em Cordel, Poesia desenvolvida com base no texto de Remi
Hess. Trabalho da disciplina de Práticas e Escrita e Tradição Acadêmica Científica. UNEB - Universidade Estadual da
Bahia, Salvador – BA. 2015.
RESS, Hemi e WEIGAND, Gabriele - A escrita Implicada, In Revista Reflexões e Debates, Universidade
Metodista de São Paulo, abril 2006, S. 14-25.
Qualificação do Mestrado Profissional
Gestão Tecnologias Aplicadas à Educação - GESTEC
da Universidade do Estado da Bahia - UNEB
Mestranda: Adriana Leite Campos. Em 4 de Agosto de 2017